quarta-feira, 23 de maio de 2012

Diz-me amor...


Diz-me, amor, como te sou querida,
Conta-me a glória do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.

Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito,
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!

Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem turnura,
Agonia sem fé dum moribundo,

Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Breve ilusão

Que bem que me faz agora o mal que me fizeste. E sem ironia aceita a minha eterna gratidão, mas não me mereces-te! diz Florbela Espanca a quem foi um dia o seu amor

Por tudo o que me deste
inquietação cuidado
um pouco de ternura
é certo mas tão pouca
Noites de insónia

Pelas ruas como louca
Obrigada, obrigada
Por aquela tão doce
e tão breve ilusão

Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita

A minha gratidão
Que bem que me faz agora
o mal que me fizeste
Mais forte e mais serena

E livre e descuidada
Sem ironia amor obrigada
Obrigada por tudo o que me deste

Por aquela tão doce

e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui

Sem ironia aceita
A minha gratidão



Florbela Espanca
(1894-1930)